Ganhei de minha irmã – não me lembro se na data do
nascimento de Jesus, ou de quem vos escreve – um livro sobre cerveja.
Apesar - ou até por conta - da minha grande apreciação por
cerveja, já conhecia a publicação. Fui na Livraria Cultura e troquei a mesma
pelo polêmico livro “Nascido para Correr”, escrito pelo norte-americano
Christopher McDougall.
O livro é muito bom. Quanto a isso não há discussão. A
história de uma tribo de índios corredores mexicanos escondidos nas Barrancas
Del Cobre, um corredor desconhecido de codinome Caballo Blanco que vivia entre
eles, ultramaratonistas que correm por horas nas montanhas – alguns descalços,
outros sem as unhas dos pés, ou até nus – é uma história com atrativos demais
para ser ruim.
Mas por trás do livro - que chegou a ser chamado de bíblia
da corrida descalça – há um radicalismo em relação a repulsa aos tênis de
corrida tradicionais (o escritor dirige seu ódio principalmente à Nike). Alguns
estudos apresentados no livro, não passam de meras constatações, ou teorias sem
grande embasamento. O livro, portanto, é um ponto de vista unilateral sobre o
que considera a forma ‘correta’ de correr. Tanto na abordagem física, quanto
mental. O tal do menos é mais – que agora ganha o título de minimalismo.
Não posso dizer, infelizmente, que fiquei alheio às constatações
feitas no livro. Muito antes de começar a agradável leitura, já tinha feito
minhas próprias ‘teorias sem grande
embasamento’ a respeito da corrida descalça, e da simplificação do ato de
correr em si.
Já tive tênis de
todas as marcas possíveis. Comecei a correr com um Timberland (que acredito eu,
deve ser a tradução da palavra ‘tijolo’ em alguma língua), e depois com alguns
tênis velhos, até comprar um Asics, depois Nike, Adidas, e por aí vai. A
verdade é que nunca tive problemas com lesões, seja correndo em um Olympikus de
R$ 89,90 sem amortecimento nenhum, ou um fofo Asics Gel GT-2150.
Mas com toda a propaganda, guias de tênis, testes de pisada
nas lojas especializadas, sentia que precisava achar o ‘tênis ideal’. Que minha
corrida poderia melhorar ao encontrar o tênis perfeito. Toda propaganda me
fazia acreditar que eu estava fazendo algo de errado, ou que tudo poderia ser
melhor.
Mas se todos esses tênis de corrida eram tão bons, porque o
cara que corria no meu bairro até o ano passado - e que era bem mais rápido do
que eu, e corria por muito mais tempo - usava um Kichute? Porque não existem
maratonistas de ponta correndo ou treinando com Gel Kayanos, Nike Frees, ou
qualquer outro tênis que eu vejo dispostos em lojas de corrida? E se os tênis
com gel e amortecimento são tão essenciais para não forçar as articulações na
corrida, porque não me lesionei ao correr um ano com um Timberland?
A conclusão a qual cheguei através desses questionamentos, é
a mesma do autor do livro. O problema - e a solução - está na forma de correr.
Um tênis de R$ 499,00 não vai fazer você correr corretamente. Vai apenas tentar
corrigir o que você faz de errado ao correr de qualquer forma. E convenhamos, se
você pesa 70 kgs, o peso que impacta em seu joelho e suas articulações ao bater
o pé no chão, é de 70 kgs vezes xis (do impacto). O negócio é que 2 cm de gel
não absorvem um impacto de mais de 70 kgs. Uma sola de EVA, um par de molas, ou
seja lá o que for, não absorve o seu peso mais o impacto da pisada.
Então, a melhor coisa a fazer é aprender a correr
corretamente. Da mesma forma que os atletas profissionais, que os
ultramaratonistas (que correm mais de 160 kms em uma única prova), e que os
índios Tarahumaras que vivem nas Barrancas Del Cobre. Todos eles correm da
mesma forma. Aterrisando com a parte da frente do pé, ao invés do calcanhar.
Como se corre atrás de um guarda-sol que é levado pelo vento na praia, ou
qualquer outra situação em que se é obrigado a correr estando descalço.
Antes de começar a ler o livro, havia passado pela minha
cabeça: ‘que tal uma corridinha descalço?’. Mas ao folhear as primeiras páginas,
vi que apesar de ser radicalmente contra os tênis de corrida tradicionais, o
livro também não recomenda que qualquer idiota saia por aí correndo sem nada
nos pés ou com sandálias (como os Tarahumaras).
Então comprei tênis ‘minimalistas’ – sem controle de torção
e com quase zero amortecimento no calcanhar. Com os tênis de corrida
tradicionais, mesmo se você tentar correr como se estivesse descalço – usando o
próprio pé para amortecer o impacto – o tênis ‘imobiliza’ seu pé através do tal
do ‘motion control’ presente na ponte do tênis. E também obriga você a encostar
o calcanhar primeiro no solo através do desnível do amortecimento, que torna a
parte traseira do tênis muito mais alta que a frente. Com o tênis minimalista
isso não ocorre.
O segredo que descobri para começar a correr com tênis
minimalistas, é correr como se corre em trilhas – onde você daria um passo,
você dá dois. É preciso mudar aos poucos, e prestar atenção na sua pisada, pois
com esses tênis o seu pé não fica imobilizado, portanto é possível fazer
ajustes na pisada. Você consegue sentir o terreno onde está pisando. Mas o
melhor de tudo, a maior vantagem de correr com tênis menores, é o peso. É leve.
Faz a corrida parecer mais natural.
E essa é a mensagem que o livro melhor passou pra mim:
correr da forma mais natural possível. Um par de tênis simples e um short é
tudo que você precisa (de acordo com a ultramaratonista Lisa Tamati no livro,
bastam os tênis). O negócio é sair para correr sem se preocupar com o tempo ou
a distância, sem apertar botões no relógio, sem escolher trilha sonora. Você simplesmente
corre. Pisa nas amoras que caíram da árvore e que ontem ainda nem estavam maduras,
escuta as sirenes que furam por entre os carros ao passar perto de uma avenida, sente o cheiro do baseado do carro cheio de universitários que passa ao seu lado na
praça, escuta a explosão de um bolo de folhas que é destruído pelo vento, escuta
os suspiros do casal de namorados no ponto de ônibus, sente o cheiro do
pãozinho que sai da porta aberta da padaria, cumprimenta a senhora que todo dia
às 20h leva o cãozinho para passear. Sem relógio, sem MP3. Correr pelo simples
prazer de correr, e observar o mundo através da corrida. Toda essa porra parece
meio zen, meio hippie, mas esse é o espírito.
Caballo Blanco – de nome real Micah True, o ‘herói’ do livro
– ensina o que aprendeu com sua experiência de corredor: ‘Fácil, leve, suave e
rápido. Mas não se preocupe com a velocidade. Se você passar pelos estágios do
fácil e leve, e chegar ao estágio de correr suave, logo você estará correndo
rápido.’
Caballo Blanco aprendeu com os Tarahumaras a simplicidade, a
camaradagem e a celebração através da corrida (ao invés da competição, ou da
melhora de tempo/distância, que é vendida por revistas especializadas). E
McDougall – o autor do livro – aprendeu que correr é um ato natural, que não
precisa de grandes corporações, provas patrocinadas por isotônicos, GPS de
pulso, ou lojas de tênis em shoppings, para existir.
O ser humano sempre correu. Corra Livre.