A noite está fria e pouco convidativa para um ensaio. Sei
que estou desafinado, então faço um breve alongamento.
Meu set list é
curto. Só uma hora de treino. Um pocket
show.
Começo com Streets of Philadelphia. A
bateria sozinha por dois compassos dita o ritmo inicial da corrida. Quando a
primeira tecla do órgão é apertada, aperto também o meu cronômetro.
Tenho uns três minutos pra correr pelas ruas da
Filadélfia, antes do Sabbath me levar
pra Birmingham com War Pigs. O frio e
a escuridão da noite ficam mais intensos, conforme me concentro nos acordes
dissonantes da guitarra. E agora não estou mais correndo, estou fugindo. A
música vai ficando mais rápida conforme corro mais rápido - ou vice versa, não sei
dizer com certeza – até terminar em seu ápice.
Contra a minha vontade entra Soul to Squeeze. Mas tudo bem, na Califórnia também deve fazer frio
às vezes. Aproveito pra pegar um trecho de avenida, onde o barulho dos carros
me obriga a aumentar o volume. Ainda na avenida, o Pearl Jam começa sua versão de Crazy
Mary. Quando entro numa rua mais tranquila do outro lado da avenida, o Eddie Vedder está uivando no meu ouvido
a todo volume. A lua está cheia, com um véu de nuvens.
Começo uma longa descida ao som de Deus é uma Viagem, do Cidadão
Instigado.
Achando que a viagem ia terminar junto com a descida,
começa Errare Humanum Est do Jorge Ben, e eu sou lançado com toda
força de volta ao espaço sideral. Preciso de quatro voltas na quadra pra
terminar a viagem por sobre as estrelas - las - las - las - las. Finalmente aterrisso
no topo de uma montanha com Fool on the
Hill. Aproveito a música pra subir de volta tudo o que desci. It’s
a long way to the top (if you wanna rock n’ roll).
No meio da subida - enxugando o suor - entra Enxugando Gelo com o B Negão e os Seletores de Frequência. O
processo é lento, mas chego de volta à avenida, que milagrosamente está vazia.
Mantendo o ritmo, vejo novamente a lua cheia, e do meu
fone sai um som novo. É uma bela introdução instrumental, e aperto os fones pra
dentro dos ouvidos. O barulho da rua não me permite escutar perfeitamente.
Estou longe do palco em um show ao ar livre. Mas é um jazz instrumental rápido.
Quase um bebop, talvez.
Enquanto não identifico o intérprete, estou correndo
pelas ruas de Nova Orleans.
A próxima música – mais lenta, agora com vocais - deixa claro que se
tratava de Esperanza Spalding. Disco novo. Escuto mais algumas músicas dela, já
de volta à praça onde havia começado. As únicas pessoas lá – dois policiais em
frente ao quartel – entram pra se esconder do frio. Mister city, policeman sitting, pretty
little policemen in a row.
Junto aos aplausos da última música, escuto o bater dos
meus pés no chão, cada vez mais lentos.
Dia frio. Hoje não tem bis.
Long may you run.
Long may you run.
Although these changes
have come
With your chrome heart shining
in the sun
Long may you run.
Long may you run.
Although these changes
have come
With your chrome heart shining
in the sun
Long may you run.
Long may you Run – Neil Young