Existe
algo que liga o ser humano à corrida, e que está além das competições e busca
por condicionamento físico. A própria história do ser humano no planeta se
confunde com a história da corrida. É o esporte mais antigo do mundo – junto
com a luta. É tão antigo quanto nós mesmos.
Há
pouco tempo - de trezentos mil até trinta mil anos atrás -, cohabitavam a terra
o Homo Neanderthalensis e o Homo Sapiens. O Homo Sapiens veio a evoluir para o Homo Sapiens Sapiens - muito prazer -, enquanto o Homo Neandethalensis foi extinto.
Como
sobreviveu o Homo Sapiens, um mamífero
tão frágil, sem garras ou grandes dentes, lento, no meio de animais grandes com
chifres, dentes afiados, e maior velocidade? Lembrando que durante milhares de
anos, este sobreviveu sem a habilidade de fazer ferramentas para proteção e caça
à distância?
Simples.
O Homo Sapiens corria e o Homo Neanderthalensis – devido a sua
estrutura física mais pesada -, não.
Nosso
ancestral corria em grupo, como forma de transporte, fuga, e caça. Sim - caça.
Em
algum estágio da evolução, o Homo Sapiens
descobriu que era – e ainda é – o animal terrestre com maior resistência física
para percorrer longas distâncias do planeta. O guepardo ou a chita podem correr
em velocidades impensáveis para um ser humano, mas não conseguem manter essa
velocidade por muito tempo. Nem um cavalo consegue correr maior distância sem
parar do que um ser humano. Acredite, pois em Wales – Grã Bretanha – existe uma
corrida anual ‘Man Versus Horse’, e ainda hoje em dia um ser humano vence de
vez em quando.
Então,
em um estágio primitivo de sua evolução, e sem nenhum tipo de ferramenta para
caça a distância, o Homo Sapiens
caçava correndo em grupo atrás dos animais. Quase todo animal terrestre podia
correr mais rápido que o Homo Sapiens,
mas logo tinha que parar por calor ou cansaço.
O
Homo Sapiens, por outro lado, tinha um
sistema perfeito de dissipação do calor, por conta dos poucos pelos e
distribuição de glândulas sudoríparas na pele. Além da capacidade de
administrar reservas de energia. Até hoje, quando fazemos atividades físicas,
sentimos quando temos que parar ou quando temos energia para continuar. Outros
animais não tem isso, e, se perseguidos com persistência, podem correr por
instinto até a estafa. Ou até morte.
Assim
era a ‘caça de persistência’. Durante muitas horas um grupo de Homo Sapiens perseguia sua presa, que
fugia, mas logo parava após algumas centenas de metros ou alguns quilômetros. E
logo o grupo a alcançava - pois correndo de forma ereta, podiam ver longe na
planície -, e novamente começava a perseguição. Dezenas de quilômetros depois, a
presa simplesmente caía ao chão ou desistia.
E
o consumo de carne – me desculpem os vegetarianos – foi essencial para a
evolução do Homo Sapiens. Quanto à
necessidade de consumir carne em nosso atual estágio de evolução, não acho que
seja absolutamente necessário.
Além
da caça, a corrida permitia que o Homo
Sapiens se transportasse de um lugar para o outro, quando os recursos
naturais acabavam ou o clima de tornava desfavorável. Uma forma de migração. Enquanto
isso, o Homo Neanderthalensis vivia
em um mesmo lugar a vida toda, famoso por sua baixa mobilidade.
O
Homo Sapiens, que deu origem a nós, sobreviveu
graças à corrida. Então, quando uma pessoa corre, ela está agindo – geralmente
sem saber - na sua forma mais primitiva.
Nenhum
esporte é mais essencialmente humano do que a corrida.
Mas
agora, depois de milhares de anos, qual a necessidade de se percorrer longas
distâncias a pé, em tempos modernos de carros, trens e bicicletas? Qual a
necessidade de se correr por horas a fio, em tempos de drive-thru, delivery, comida
congelada e freezers? Qual a necessidade de se correr ao ar livre, entre o céu
e a terra, em tempos de academias, esteiras ergométricas e personal trainers? Qual
a necessidade de arriscar as juntas dos joelhos e ligamentos do pé, em tempos
de ‘impacto zero’, natação e pilates? E por que fazer isso, sem ter a menor
perspectiva de ser um atleta profissional, ou quando já se está em boa forma
física?
Se
você parar dez corredores nas ruas – por favor, não faça isso - e perguntar,
acredito que oito ou mais não conseguirão dar uma resposta. Não por não
saberem. Mas sim, por saberem que tem algo além. Algo que pode - ou não - ter a
ver com a história que contei acima. Mas não é fácil de explicar.
Existe
algo de incompreensível na corrida. Uma ligação com a nossa natureza mais
profunda. Algo que transcende qualquer coisa terrena e contemporânea. Algo que
nos liga aos nossos instintos. Nossa essência humana.
E
esse algo incompreensível que existe na corrida, é um de nossos maiores elos com os nossos ancestrais mais primitivos.
Membro
da tribo Kalahari – que tem as únicas três pessoas no mundo que ainda praticam a
caça de persistência – com um antílope morto por exaustão.
Fontes:
Corra e agarre a vida!
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